Hora da genética!
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Durante uma guerra são implementadas diversas estratégias, incluindo bloqueios a entrada de alimentos e o cerco dos lugares onde estão os “inimigos”, causando períodos prolongados de fome para induzir a rendição. Parte da população assediada pode morrer e a parte sobrevivente terá que se adaptar às novas condições; enquanto a escassez de alimentos e falta de nutrientes, o organismo sofrerá alterações, algumas vão se manifestar no momento e outras só anos depois, mesmo se os fatores que causaram a mutação já não estão presentes. Esse tem sido um fenómeno visto em vários momentos históricos e este escrito vai trazer alguns exemplos para elucidar melhor a correlação guerra-epigenética. Primeiro e sem ânimo de dar uma única definição para epigenética, sabemos que integra a expressão gênica e a influência ambiental. Esta entrelaça os conceitos de metilação de DNA, RNAs reguladores, estabilidade mitótica, herança transgeracional e outros (1). Já nas últimas décadas, têm surgido várias hipóteses sobre os diversos fatores que influenciam a nossa genética.
A presença ou ausência de nutrientes podem ter efeitos duradouros, em momentos históricos de fome, os indivíduos têm seu metabolismo alterado e essas características podem ser transmitidas para a geração seguinte. Alguns estudos apontam que uma desnutrição durante o desenvolvimento intrauterino, causa no feto um maior risco de doenças. O estresse pós-traumático e o trauma racial são outros fatores ambientais que poderiam gerar efeitos transgeracionais tanto no comportamento quanto no DNA, alguns estudos trazem achados iniciais de marcas epigenéticas em descendência de sobreviventes do Holocausto e situações similares (4,10). Então, um evento como a guerra poderia influenciar a genética? No ano 1941, tropas alemãs e aliados finlandeses cercaram Leningrado, prendendo a milhões de residentes na cidade, com o tempo cresceu a escassez de alimentos e depois de 872 dias, cerca de 1,1 milhão de pessoas tinham morrido de fome. O 90% da população registrada perdeu peso e alguns deles perderam até metade de sua massa corporal no primeiro inverno e após a guerra, cerca de 29% dos sobreviventes desenvolveram diabetes, isto é consistente com pesquisas similares em outras circunstâncias de fome prolongada. Já na última década, o geneticista Oleg Glotov e outros pesquisadores estudaram vários genes relacionados ao metabolismo de lipídios e glicose, os resultados sugerem que variantes genéticas e um metabolismo mais eficiente poderiam ter ajudado aos sobreviventes naquele momento, mas a saúde após a guerra pode ser uma desvantagem dos mesmos fatores que ajudaram as pessoas a sobreviver, ainda existem muitas incertezas, por enquanto a pesquisa continua (8). Vários estudos concluem que desafios ambientais, tais como uma dieta pobre durante a infância e mesmo na gestação, podem interferir no desenvolvimento embrionário e surgimento de doenças não apenas nos descendentes diretamente afetados, mas para as gerações vindouras. Outro caso é a Fome Holandesa de 1944-1945, durante esse inverno da Segunda Guerra mundial os alemães bloquearam a entrada de alimentos para Holanda deixando milhares de mortos. Este momento foi muito bem documentado, antes e depois os alimentos eram abundantes e o fornecimento foi cortado sem aviso prévio. Em uma das pesquisas, os participantes expostos à fome durante a gestação tiveram níveis diferentes de metilação no final da vida adulta, quando comparados com seus irmãos do mesmo sexo sem exposição. Os autores levantaram a hipótese de que outros fatores, como o frio e o estresse emocional, também podem desempenhar um papel (6,7). Similarmente aconteceu com a ‘Grande Fome chinesa’ (1959-1961) que causou um enorme risco de dislipidemia na vida adulta (7,9). Uma pesquisa do ano 2019, classificou essa exposição à fome em dois níveis: severo (nascidos na província de Anhui) e moderado (nascidos na província de Jiangxi). Os resultados revelaram que os indivíduos expostos à fome severa tinham maior nível de metilação de DNA e eram em média 0,7 anos mais velhos do que aqueles em grupo de fome moderada (7). A hipótese Barker afirma que a nutrição durante o período pré-natal e durante a infância, bem como a exposição a infecções após o nascimento e durante a primeira infância, determinam a susceptibilidade a doenças na vida adulta. Obesidade, hipertensão e doenças cardíacas já foram ligadas à programação epigenética em embriões e fetos (2,5). Esta hipótese já é aceita por muitos cientistas, mas ainda temos um longo caminho a percorrer em termos de pesquisa e novas descobertas. Viviana López Colorado Discente de Biotecnologia - UNILA Tecnóloga em Saneamento Ambiental - U.D.F.J.C. Referências: (1) Deans, C., & Maggert, K. A. (2015). What Do You Mean, “Epigenetic”?. Genetics, 199(4), 887–896. (2) Durán, P., & Especial, A. (2004). Nutrición temprana y enfermedades en la edad adulta: acerca de la “hipótesis de Barker.” Arch.argent.pediatr, 102(1), 26. (3) Heijmans, B. T., Tobi, E. W., Stein, A. D., Putter, H., Blauw, G. J., Susser, E. S., Slagboom, P. E., & Lumey, L. H. (2008). Persistent epigenetic differences associated with prenatal exposure to famine in humans. Proceedings of the National Academy of Sciences, 105(44), 17046–17049. (4) Kellermann, N. P. (2013). Epigenetic transmission of Holocaust trauma: can nightmares be inherited? The Israel Journal of Psychiatry and Related Sciences, 50(1), 33–39. (5) Ryznar, R. J., Phibbs, L., & Van Winkle, L. J. (2021). Epigenetic Modifications at the Center of the Barker Hypothesis and Their Transgenerational Implications. International journal of environmental research and public health, 18(23), 12728. (6) Scholte, R. S., van den Berg, G. J., & Lindeboom, M. (2015). Long-run effects of gestation during the Dutch Hunger Winter famine on labor market and hospitalization outcomes. Journal of Health Economics, 39, 17–30. (7) Shen, L., Li, C., Wang, Z., Zhang, R., Shen, Y., Miles, T., Wei, J., & Zou, Z. (2019). Early-life exposure to severe famine is associated with higher methylation level in the IGF2 gene and higher total cholesterol in late adulthood: the Genomic Research of the Chinese Famine (GRECF) study. (8) Smirnova, Y., & Davydova, A. (2015). Did good genes help people outlast brutal Leningrad siege? Science, 348(6239), 1068–1068. (9) Xin, X., Wang, W., Xu, H., Li, Z., & Zhang, D. (2018). Exposure to Chinese famine in early life and the risk of dyslipidemia in adulthood. European Journal of Nutrition, 58(1), 391–398. (10) Yehuda, R., Lehrner, A., & Bierer, L. M. (2018). The public reception of putative epigenetic mechanisms in the transgenerational effects of trauma. Environmental Epigenetics, 4(2).
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AutorEscreva algo sobre si mesmo. Não precisa ser extravagante, apenas uma visão geral. Histórico
Maio 2022
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